ARTIGO: A inserção do Brasil nas cadeias globais de valor
Há cerca de três anos escrevi neste jornal um artigo sobre Beps – “Base Erosion Profit Shifitng” – em que sugeria aos leitores que anotassem essa sigla, pois a vida das empresas e dos países seria muito afetada pelos resultados da revisão das regras tributárias internacionais patrocinadas pelo G-20 e desenvolvidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Após a conclusão dos 15 relatórios preparados pela organização é tempo de avaliação.
Nos últimos meses, tive a oportunidade de conversar com representantes de vários países e registrar a frequência de uma dimensão que tem recebido pouca atenção em nossos debates: o efeito do Beps na capacidade de um país se integrar a cadeias globais de valor. Ou seja, as regras do Beps – e a forma como os países adaptam-se no processo de implementação – podem afetar a capacidade de um país exportar, atrair investimentos, mover-se nas cadeias de valor em direção a segmentos mais nobres de pesquisa e desenvolvimento e realizar investimentos diretos de forma competitiva.
Esse é o novo elo perdido da discussão sobre as dificuldades de o Brasil se inserir nas cadeias globais de valor. É um tema suficientemente importante para exigir uma discussão além da visão fiscal que originou a decisão política de construção dessas novas regras. É importante que a Receita Federal do Brasil que, justiça se faça, teve uma participação ativa na construção das diretrizes do Beps, priorize a adaptação das regras brasileiras com foco na melhoria do ambiente de negócios e na manutenção da capacidade competitiva do Brasil.
CAMINHOS
– Vários países estão neste momento adaptando suas regras fiscais ao Beps. E há um elemento dominante, mas ausente na reação brasileira: como obter uma fatia importante da alocação das cadeias globais de valor. China, Índia e Cingapura, para citar alguns países, estão se perguntando como capturar o valor em atividade de design e pesquisa e desenvolvimento, além de evitar a redução da competitividade do investimento direto das suas empresas.
Uma autoridade fiscal afirma que a estratégia da China deve contribuir para o upgrading das empresas multinacionais chinesas nas cadeias globais de valor e para tornar o país um dos principais mercados de atração de investimentos. E acrescenta: a reforma do imposto de renda na China deve ser considerada em combinação com a cadeia e a alocação global de valor. O centro da reforma deve ser a transição, o upgrading e uma razoável captura de valor.
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E como estamos no Brasil? Uma resposta ainda presente é que finalmente o “mundo se curvou ao Brasil” e que as “regras globais estão mais próximas das brasileiras”. Essa leitura é o caminho mais direto para o Brasil aumentar a sua desconexão com as cadeias globais de valor.
Há pelo menos quatro canais que exemplificam as dificuldades do Brasil se inserir nas cadeias globais de valor, potencializadas pelas novas regras do Beps. O primeiro é o do acesso a tecnologias e conhecimento. O Brasil impõe barreiras relevantes à importação de conhecimento e serviços. A tributação é superior a 46% e onera a indústria prestadora de serviços e de maior valor agregado. O Brasil perde a capacidade de ser um importante hub de prestação de serviços e reduz a competitividade da sua indústria, que consome serviços e conhecimento mais caros.
O segundo canal é o da atração do investimento direto para cadeias de valor. As barreiras citadas de acesso a serviços são também um obstáculo à atração de investimentos, mas deve-se também acrescentar os custos de transação para a integração que derivam das normas de preços de transferência, do tratamento a intangíveis e dos impedimentos à importação de serviços técnicos e administrativos. Esse ambiente é agravado pela ausência de acordos para evitar a bitributação.
O terceiro são as exportações. Os novos padrões que reformulam o conceito de Estabelecimento Permanente devem ter impactos sobre a tributação das empresas brasileiras que desenvolvem as suas atividades utilizando essa modalidade de inserção, com efeitos negativos sobre o fisco e as empresas.
O quarto canal são os investimentos diretos no exterior. As empresas brasileiras são penalizadas pelas regras de tributação nos lucros no exterior- tributação antecipada dos lucros reinvestidos – que são únicas no mundo e tornam as empresas menos competitivas.
O Brasil precisa enfrentar essa agenda. Ela é tão importante quanto a discussão tarifária para a inserção do país nas cadeias globais de valor. Observar o que os nossos competidores estão fazendo e se aproximar das normas da OCDE é o caminho para que o Brasil não seja um perdedor neste novo ambiente de regras tributárias globais.
É um tema que precisa estar nas prioridades do país com ângulos mais abrangentes que a visão fiscal. Caberia ao governo brasileiro promover uma discussão interministerial na Câmara de Comércio Exterior (Camex) para aprofundar o tema. O estudo patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria, e com apoio da Embaixada do Reino Unido, sobre Política tributária Internacional: OCDE, Beps e G-20- implicações para o Brasil, desenvolvido por Romero J.S Tavares, é um bom roteiro para o entendimento sobre o que está em jogo.
O artigo foi publicado no jornal
Valor Econômico
nesta quarta-feira (20).