ENTREVISTA: Falta de planejamento de longo prazo impede autossuficiência do Brasil em gás natural
Publicada em 31/03/2016 pela
Agência de Notícias CNI
. Por Verene Wolke.
O desenvolvimento da produção de gás natural no Brasil depende da definição de um planejamento integrado de longo prazo, que contemple a demanda e a oferta. “Sem a sinalização de que existe demanda previsível, é difícil para um empresário tomar decisões de investimento de longo prazo de maturação. Do lado da oferta, é necessário criar condições para a competição no suprimento, que foi o fator primordial para a queda do preço do gás nos Estados Unidos”, analisa a engenheira química Ieda Gomes.
Com mais de 32 anos de experiência internacional em projetos e estudos de mercado de gás natural, Ieda é membro do Conselho da Câmara de Comércio Brasil-Grã Bretanha, em Londres, e atuou por mais de 13 anos em cargos de direção na BP plc, multinacional britânica do setor e petróleo e gás. Ela reconhece que a queda no preço internacional do petróleo afeta os novos investimentos na área. “A primeira atividade a sofrer é a de exploração, porque são investimentos que maturam em um período de cinco a dez anos”, diz, nesta entrevista à Agência CNI de Notícias.
No entanto, ela lembra que o consumo de gás natural, especialmente na China e na Índia, deve ter um crescimento expressivo nos próximos anos. Isso porque, esses dois países – que são grandes consumidores de carvão – deverão gradativamente incentivar o consumo de energias renováveis e gás natural, devido aos graves problemas ambientais em suas metrópoles. “O gás natural continuará a exercer um papel importante, tanto na substituição de carvão em países emergentes, como back-up das energias renováveis intermitentes”, prevê.
Leia a entrevista em que Ieda Gomes traça um panorama e avalia as tendências do mercado de gás natural no mundo e no Brasil.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS
– Quais o cenário atual e as perspectivas para o gás natural como fonte de energia no mundo e no Brasil?
IEDA GOMES
– O gás natural é uma energia fóssil mais limpa e eficiente que o carvão e outros derivados do petróleo. No entanto, o crescimento do consumo mundial de gás no período 2014-2015 foi de apenas 0,4%, contra a média anual de 2,4% registrada nos 10 anos anteriores. Isso se deve a uma combinação de fatores, como o crescimento das energias renováveis na Europa, a desaceleração da economia chinesa e a estagnação do consumo nos países da Ásia do Norte. Nos Estados Unidos, o consumo de gás natural cresceu 2,9% entre 2014 e 2015, pouco acima da média mundial, pois a despeito do paulatino corte de investimentos dos produtores de shale gas, a produção ainda não caiu devido ao aumento de eficiência na perfuração de poços horizontais e à necessidade de gerar caixa para pagar o financiamento da dívida dos produtores. No Brasil, o consumo cresceu 6,3%, muito acima da média mundial, puxado pelo aumento do uso de gás em geração termoelétrica. Como resultado da expressiva queda dos preços do gás natural, usualmente atrelados aos preços do petróleo, há indícios de crescimento do consumo no período 2015-2016.
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– Quais as fontes de energia que terão crescimento expressivo nos próximos anos? Por quê?
IEDA GOMES
– Espera-se um crescimento expressivo de energias renováveis como a eólica e a solar fotovoltaica, devido aos compromissos internacionais com a redução das emissões de CO2. O custo de produção desses dois tipos de energia vem caindo ao longo do tempo, com a entrada no mercado de produtores chineses, que baratearam em muito o custo do kilowatt. Países que são grandes consumidores de carvão, como a China e a Índia, deverão gradativamente incentivar o consumo de energias renováveis e gás natural, devido aos graves problemas ambientais em suas metrópoles. Nesse cenário, o gás natural continuará a exercer um papel importante, tanto na substituição de carvão em países emergentes, como back-up das energias renováveis intermitentes.
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– Como a queda dos preços do petróleo atinge os investimentos, a exploração e a produção de gás natural e de outras fontes de energia?
IEDA GOMES
– A queda no preço do petróleo afeta a tomada de decisão para novos investimentos, tanto de petróleo, como de gás natural. A primeira atividade a sofrer é a de exploração, porque são investimentos que maturam em um período de cinco a dez anos. Segundo a consultoria Wood MacKenzie, o total de investimentos adiados para 2020 é da ordem de US$ 380 bilhões, totalizando 68 projetos, e impactando a produção de 2,9 milhões de barris de petróleo equivalente. A queda no preço do petróleo e de derivados como óleo combustível, diesel e gasolina também influencia a decisão dos consumidores de converter equipamentos ou veículos para gás natural. Isso porque a diferença entre os preços do gás e dos derivados passou a ser muito pequena para justificar investimentos em equipamentos ou em conversão. A queda do preço do petróleo afetou a decisão de investimentos em projetos visando à conversão de gás em derivados de petróleo. Por exemplo, em 2015 a empresa petrolífera sul-africana Sasol postergou a decisão de investir US$ 14 bilhões em uma planta de GTL em Luisiana, nos Estados Unidos. Além disso, a queda nos preços do petróleo também está impactando a capacidade de investimento de países produtores, como Arábia Saudita, Angola, Iraque e Venezuela. A maior parte desses países depende de preços de petróleo acima de US$ 90 por barril para equilibrar seu orçamento. Alguns países, como a Arábia Saudita, dispõem de reservas para contrabalançar o dreno orçamentário, mas já estão ocorrendo cortes substanciais em investimentos públicos.
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– Há outros obstáculos à expansão da produção e do consumo natural no mundo?
IEDA GOMES
– O desenvolvimento do gás natural não convencional, como o shale gas, nos Estados Unidos, e o coal seam methane, na Austrália, e novas descobertas de gás convencional no leste da África, ampliam as reservas. Além disso, novos mercados estão se abrindo para a importação de GNL, tais como Paquistão, Jordânia, Egito, Polônia e Lituânia. O grande obstáculo ao desenvolvimento da produção e consumo de gás está relacionado à trajetória crescente da Europa em direção à economia de baixo carbono, que gera incertezas sobre a demanda futura. Isso tem impacto sobre o processo de decisão de investimentos em exploração e produção do combustível.
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– Como vencer esses obstáculos?
IEDA GOMES
– A indústria do gás tem se mobilizado, por meio da Internantional Gas Union e das associações representativas em diversos países, no sentido de mostrar as vantagens do gás, tanto no combate à poluição, como na redução das emissões de CO2. Além disso, a geração termelétrica a gás em países emergentes tem crescido, tanto em função de fatores climáticos, reduzindo a disponibilidade de hidroeletricidade, como na substituição de carvão. Como o gás é um combustível fóssil, algumas organizações não governamentais tendem a colocar o gás no mesmo ?balaio? que outras energias fósseis como o carvão, a despeito das inegáveis vantagens do gás. É, portanto, imprescindível um trabalho amplo da indústria do gás com governos, órgãos reguladores, legisladores, organizações não governamentais e o público em geral, principalmente nas escolas, visando a conscientização sobre a importância do gás natural para o futuro da energia no mundo.
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– Como a senhora avalia a questão do gás natural no Brasil?
IEDA GOMES
– Atualmente, o Brasil importa quase metade do gás que consome. Apesar de produzir cerca de 100 milhões de metros cúbicos por dia, metade da produção doméstica é consumida no sistema Petrobras (refinarias, reinjeção, queima e outros usos). O campo de Lula produz cerca de 20 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Mas o combustível não chega ao mercado por falta de infraestrutura de escoamento e falta de visão sobre como se pretende vender uma quantidade tão grande de gás.
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– O Brasil pode vir a ser autossuficiente em gás natural?
IEDA GOMES
– O país poderia ser autossuficiente, caso houvesse a conjugação de grande produção de gás associado em águas profundas e a disseminação de produção em terra. Mas, atualmente, não se conhece o potencial dos recursos e reservas do país. Por exemplo, a Energy Information Adminstration, dos Estados Unidos, elaborou um estudo, em 2013, mostrando que o Brasil detinha um potencial tecnicamente recuperável de shale gas de 226 TCf, quase 10 vezes o volume das reservas provadas de gás convencional. Caso o Brasil pudesse converter 10% desses recursos em reservas, isso dobraria as reservas nacionais.
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– Qual a sua avaliação sobre a exploração de gás natural em terra no Brasil?
IEDA GOMES
– Atualmente, a exploração de shale gas no Brasil foi paralisada por recursos judiciais. Os leilões de campos para exploração de produção de gás não têm atraído muitos investidores, particularmente nas bacias terrestres. Os principais obstáculos são a falta de infraestrutura de escoamento, a falta de visibilidade quanto ao tamanho e acesso ao mercado e condições tributárias e fiscais pouco atrativas para o desenvolvimento de projetos de gás natural, como royalties, conteúdo local, impostos estaduais, programa mínimo de trabalho. Em resumo, o desconhecimento do real potencial das reservas de gás natural, conjugado a condições pouco atrativas nos leilões e à falta de uma política governamental de estímulo ao combustível, são obstáculos à busca da autossuficiência. Além disso, há a incerteza sobre o papel da Petrobras. A estatal informou que está cortando investimentos em exploração e venderá ativos
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– Quais as medidas necessárias para o aumento da produção e do consumo do gás natural no Brasil?
IEDA GOMES
– Seria fundamental a definição de um planejamento integrado de longo prazo, contemplando tanto a demanda como a oferta. No campo da demanda, é imprescindível o desenvolvimento do gás no setor industrial, na geração de eletricidade em grandes usinas termelétrica e também na cogeração, na substituição de GLP em residências e no uso automotivo. Sem a sinalização de que existe demanda previsível e de longo prazo, é difícil para um empresário tomar decisões de investimento de longo prazo de maturação. Do lado da oferta, é necessário criar condições para a competição no suprimento, que foi o fator primordial para a queda do preço do gás nos Estados Unidos. Mais produtores e mais concorrência devem conduzir a preços mais baixos. Além disso, é necessário simplificar a questão tributária, que tem sido um grande obstáculo às trocas operacionais e comerciais entre submercados de gás. A desverticalização da cadeia de valor, o acesso de terceiros à infraestrutura, leilões de exploração e produção, estimulando o produtor de gás e financiamento para infraestrutura são também essenciais ao desenvolvimento do setor de gás natural no Brasil